quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Postagem Especial !


O jogo da literatura
Mais que uma história, uma arte ou uma linguagem, a literatura é um discurso que nasce do diálogo entre um autor, um leitor, um contexto de produção e um contexto de circulação.
Conhecer o jogo que surge da interação entre esses agentes ajuda a responder a questões como: por que alguns textos foram produzidos de certa maneira em uma determinada época? Como chegaram até seus leitores? Quem eram esses leitores? Como leram? Como esses textos ecoaram ao longo do tempo e que efeito produzem ainda hoje sobre nós?
O resultado desse jogo será a constante redescoberta dos sentidos dos textos de ontem, de hoje e de sempre. E a compreensão de tudo o que constrói a literatura.

A obra engloba os principais pontos e fatos que marcaram a literatura brasileira. (Clique no link para acessar um dos capítulos da obra: http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/em/literatura/litbrasil/obra/lb_cap4.pdf)


As autoras:

Maria LuizaNasci em uma ilha (Vitória, no Espírito Santo) e cresci na beira do mar. O barulho ritmado das ondas, a vastidão do horizonte, a energia da água me invadiram ainda menina e são minha companhia constante. Em Campinas, onde moro há 20 anos, aplaco a minha imensa saudade do mar mergulhada em livros, músicas e filmes.
Virei leitora no colo dos meus pais e irmãos mais velhos. Com paciência infinita, liam e me contavam histórias que povoavam uma imaginação infantil de baleias e dragões, príncipes e princesas. Dos livros infantis para as revistas em quadrinhos foi um pulo; na seqüência veio a paixão pelos romances policiais, que me acompanha até hoje.
O contato com os mestres da Literatura Brasileira e Portuguesa começou nas aulas de literatura do colégio Sacré-Coeur de Marie e encontrou terreno fértil nas estantes apinhadas de livros da biblioteca de casa. Lá pude encontrar a obra completa de Machado de Assis, os romances de Érico Veríssimo, de Graciliano Ramos, os poemas de Camões, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, aos quais juntei outros autores de minha preferência, como os americanos e. e. cummings, Emily Dickinson e Robert Frost, a poesia e o teatro de Shakespeare. Livros, enfim, muitos livros povoam a minha vida. A continuação natural da minha história de leitora foi cursar Letras na Unicamp, onde fiz também meu mestrado em Teoria Literária. Minha tese trata de uma outra paixão: o mundo mágico do Rei Arthur e dos cavaleiros da Távola Redonda.
Profissionalmente, tenho orgulho de me apresentar como professora. Atuo no Ensino Médio há mais de 15 anos, sempre procurando despertar nos meus alunos a mesma paixão que tenho pela leitura e pela escrita. O trabalho é árduo, mas certamente compensador.
Em momentos de lazer, divirto-me brincando com o Nicolau, um cãozinho da raça beagle que já manifestou seu interesse pela leitura devorando alguns dos meus livros.
 
 
Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mestre em Teoria Literária pela Unicamp.
Membro da banca elaboradora das provas de Redação, Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa no vestibular da Unicamp (1992-1993, 1995-1996).
Consultora (Língua Portuguesa) do Enem/Inep/MEC (2000-2002).
separador
Marcela PontaraEra início de outubro, em uma pequena cidade do oeste paulista chamada Assis, quando nasci primeira filha de um pai latinista e uma mãe professora. Da infância, trago a lembrança da liberdade das crianças criadas no interior, que brincam na rua e sobem em árvores. Vem da infância, também, uma das descobertas mais prazerosas da minha vida: o mundo dos livros. Antes de saber desvendar sozinha o universo da palavra escrita, conheci, nas narrativas que ouvia dos leitores adultos com que convivia ou nos "disquinhos" com fábulas e contos de fadas, as muitas "pessoas" que habitavam terras distantes da minha. E, desde então, personagens e lugares descritos nos livros passaram a fazer parte da minha história e me abriram janelas e portas que me permitiam tocar mundos sequer imaginados.
Quando pude ler por minha conta, nos primeiros anos escolares, o prazer de aprender, intensificado pela curiosidade extrema e pela influência familiar, fizeram de mim uma leitora voraz. Livrarias e bibliotecas se transformaram em meus parques de diversões. A minha paixão pela leitura foi alimentada por alguns de meus professores e por amigos (irmãos-leitores), que me apresentaram muitos dos grandes nomes da Literatura. Assim, Lobatos, Machados, Clarices, Gracilianos, Rosas, Bandeiras, Drummonds, Pessoas, Poes, Calvinos, Wildes, Huxleys, Hemingways, dentre tantos outros autores que continuo a descobrir, transformaram-se em meus companheiros nos momentos de lazer.
A conseqüência direta dessa paixão e da influência paterna foi a opção pelo curso de Letras na Unesp, onde meu pai dava aulas. Ainda na faculdade, outra paixão surgiu: o ensino. A possibilidade de compartilhar com meus alunos o meu encantamento e o meu prazer com a leitura e a escrita é o que me impulsiona, há mais de 15 anos, quando inicio um ano letivo. A recompensa é sempre a mesma: (re)ver, nos olhos (de muitos) deles, a mesma descoberta que fiz na infância. Não há, para mim, alegria comparável a de poder superar, com meus alunos, as resistências criadas pela associação desse mundo mágico à obrigação escolar e não ao prazer. E, dessa forma, (re)abrir, cotidianamente, as portas e janelas que se transformam nos canais que nos permitem compreender o mundo e, principalmente, a nós mesmos.
 
 
Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Membro, durante 6 anos, da banca de correção das provas de Redação, Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa dos vestibulares da Unicamp e da Unesp.


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Como ler um poema?
Por Maria Luiza Marques Abaurre


Já se tornou comum encontrar, nas listas de leitura obrigatória dos 
grandes vestibulares, livros de poesia. E aí, diante da tarefa, surge a 
pergunta obrigatória: como se lê poesia?  
Para não ficarmos teorizando “no vazio”, vamos fazer nossas 
observações a partir de um poema de Arnaldo Antunes: 
UM DIA
1) sujar o pé  de areia pra depois lavar na água
2) esperar o vaga‐lume piscar outra vez
3) ouvir a onda mais distante por trás da mais
próxima
4) não esperar nada acontecer
5) se chover, tomar chuva
6) caminhar
7) sentir o sabor do que comer
8) ser gentil com qualquer pessoa
9) barbear‐se no final da tarde
10) ao se deitar para dormir, dormir
Arnaldo Antunes. In: Boa companhia: poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Precisamos, antes de mais nada, estabelecer uma diferença entre a leitura que fazemos de modo despreocupado, para nossa fruição, e a 
leitura destinada ao estudo de um texto, seja ele poético ou não.  
   Quando estamos diante de um texto a ser estudado, devemos 
garantir que não somente compreendemos o que ele nos diz, por meio 
de suas palavras, mas também reconhecer a reflexão que ele nos 
propõe. Literatura Brasileira – Tempos, Leitores e Leituras - ARTIGO. No caso do texto acima, o primeiro impacto provocado por sua leitura deve ter sido a afirmação de que se trata de um poema. 
   Certamente você se surpreendeu pela apresentação dos versos 
numerados, como se fossem uma lista. Essa foi uma escolha intencional. Queríamos mesmo que você se surpreendesse, porque essa surpresa inicial nos ajuda a introduzir a primeira pergunta a ser respondida durante a leitura de um poema: do que ele trata? Ou, em outras palavras, sobre o que “fala” o texto? 
   Releia o poema de Arnaldo Antunes. É impossível não perceber que nele foram listadas várias “tarefas” a serem cumpridas por alguém. Seria um pouco estranho, porém, supormos que a intenção de Arnaldo Antunes fosse levar os leitores desse poema a interpretarem, de modo literal, as tarefas que ali apresentadas. 
   Pense bem: por que alguém deveria sujar o pé na areia para, depois, lavar na água?; ou “esperar o vagalume piscar outra vez”?, como sugerem os dois primeiros versos?  Os poemas não são textos que oferecem, de modo direto e 
objetivo, um ensinamento ou uma informação. Nesse sentido, eles não “significam” como outros textos com os quais temos contato diário (notícias de jornal, artigos, textos didáticos, etc.).  
   William Wordsworth, um importante poeta inglês que viveu e escreveu no século XIX, costumava dizer que a boa poesia é aquela que nasce de um transbordamento espontâneo de sentimentos poderosos. Mas reconhecia que, embora ela deva nascer da emoção, precisa ser escrita com serenidade. Já Robert Frost, um dos mais celebrados poetas americanos do século XX, dizia que o poema nasce de um nó na garganta, de um sentimento de que algo está errado, das saudades de casa, das amarguras do amor, para, daí, ganhar forma no pensamento, que encontra as palavras exatas para expressá-lo. Literatura Brasileira – Tempos, Leitores e Leituras - ARTIGO.
   Nos dois testemunhos, encontramos uma “pista” importante para a leitura da poesia: ela lida com emoções, sentimentos, estados de alma. E faz isso por meio de imagens, representações simbólicas que permitam ao leitor compreender de que está falando o poeta, sem que ele precise recorrer a longuíssimas explicações. Isso seria, aliás, um grande problema, já que a “matéria” da poesia é subjetiva. 
   Nosso papel como leitores é, em certa medida, refazer o caminho trilhado pelo autor, no momento em que converteu em imagem determinados sentimentos/emoções que experimentou a partir de experiências específicas. Por isso, ler poesia significa estar disposto a realizar um exercício contínuo de reflexão sobre imagens e metáforas para buscar o seu significado primeiro, para descobrir o que elas representam. 
   Voltemos ao poema de Arnaldo Antunes. Precisamos, em primeiro lugar, identificar as imagens que ele nos ofereceu em seu texto. Cada uma delas vai funcionar, para nós, como “pontos” em um mapa. Uma vez identificados todos os pontos, podemos percorrer um caminho mental semelhante àquele trilhado pelo poeta e, assim, compreender o poema lido. 
O conjunto de imagens criadas no texto evoca, no leitor, uma série de pequenos gestos, coisas simples para as quais não prestamos muita 
atenção, mas que sugerem momentos especiais, prazerosos... Lavar a areia que ficou grudada nos pés, observar um vagalume, ouvir o barulho ritmado das ondas que se quebram incessantemente, tomar chuva, caminhar, saborear a comida, fazer a barba no fim do dia e, finalmente, dormir. Literatura Brasileira – Tempos, Leitores e Leituras - ARTIGO.
   Nenhuma dessas ações se enquadra no tipo de lista que todos nós fazemos constantemente. Nossas listas costumam enumerar compromissos de trabalho ou estudo, pagamento de contas, produtos a serem comprados.  De modo geral, listamos tudo aquilo que precisamos fazer com alguma urgência e temos medo de esquecer, caso não tenhamos anotado em um papel. Essas listas podem ser vistas como um sinal da vida atribulada que levamos hoje em dia.  
   Que sentido, então, fazem as imagens evocadas pela lista de Arnaldo Antunes? Não podemos reconhecer, em nenhuma delas, algo urgente, que não pode ser esquecido. Pelo contrário, aparecem ali ações perfeitamente “insignificantes”, se adotarmos uma perspectiva pragmática, objetiva. Mas, como nos ensinam Frost e Wordsworth, a poesia não é objetiva ou prática. Portanto, vamos abandonar a perspectiva pragmática e tentar compreender o que aquele conjunto de imagens sugeridas no poema pode simbolizar. 
   O título do poema, “um dia”, pode nos oferecer uma pista importante para interpretar essa lista aparentemente sem sentido. Se fizermos uma leitura literal, ele poderia se referir ao conjunto de tarefas que, na visão do poeta, devemos realizar no espaço de um dia (24 horas).  
   Uma leitura um pouco mais interpretativa poderia associá-lo, porém, à expressão de um desejo futuro. O artigo indefinido (um) faz com que esse “dia” não seja uma data precisa, específica. O título do poema pode, nesse sentido, fazer referência ao que o poeta expressa como um desejo a ser conquistado, algo que ele espera conseguir fazer em algum momento da vida, que ainda virá. Literatura Brasileira – Tempos, Leitores e Leituras - ARTIGO.
   Quando combinamos a leitura do título às imagens evocadas pelos versos do poema, temos uma idéia um pouco mais precisa do que significa esse texto. Tomado como a expressão de um desejo futuro (ou mesmo como a lista de tarefas a serem cumpridas no espaço de 24 horas), o poema de Arnaldo Antunes se contrapõe de forma evidente aos inúmeros afazeres que ocupam o nosso dia-a-dia. É como se ele quisesse criar no leitor um reconhecimento imediato de ações que deveriam ser “obrigatórias” para desfrutarmos dos pequenos prazeres de vida.  
   Em outras palavras: o poema pretende nos apresentar, sim, um ensinamento. Ele nos leva a reconhecer que as tarefas cotidianas, que nos ocupam todo o tempo disponível, nos afastam dos prazeres mais simples da vida. Talvez seja o momento de, como o poeta, fazermos uma “lista” diferente de afazeres. Algo que contemple a nossa necessidade de respirar fundo, ouvir o barulho das ondas, apreciar o paladar da comida, dormir um sono tranqüilo.  
Viu? Bastou identificarmos as imagens apresentadas no texto e reconstituirmos o “mapa mental” que elas nos sugerem para chegar à interpretação do poema. 
   Então, lembre-se: um poema “trabalha” com imagens. Se ele propõe alguma conclusão ou ensinamento, faz isso por meio das imagens e metáforas criadas para o leitor. Portanto, na hora de ler poesia, procure sempre identificar essas imagens e descobrir o que elas simbolizam no texto. Quando você menos esperar, estará lendo e interpretando poemas de modo muito mais tranqüilo. Experimente.





©Editora Moderna, 2011.
©Maria Luiza M. Abaurre e Marcela Pontara, 2011.






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